Matando Saudades


Neste verão de 2010 tive ocasião de voltar a Ponta Delgada e visitar lugares que tinham feito parte do meu passado, incluindo o antigo Liceu de Ponta Delgada. Obviamente diferente dos meus tempos, o jardim em frente está completamente renovado, ainda que as mesmas araucárias continuam a dar a sua majestosa sombra.

Confesso que estava um pouco apreensivo, mas ansioso para voltar a entrar o portão de ferro principal que dá acesso ao pátio com os seus grandes plátanos.

No meu tempo, esse portão não só servia para entrar para as aulas, como para depois das aulas, servir para ver as meninas sair.

Entrando no pátio a primeira coisa que notei, foi que as antigas arcadas onde a Mocidade Portuguesa se reunia, estavam agora todas fechadas e o espaço aproveitado para aulas. Lembrei-me das marchas ao som dos tambores, do 1º de Dezembro no Coliseu, e do João Bosco que foi meu colega, Chefe de Quina.

Entrei a porta principal e para a direita no corredor era local da minha turma 1°E e para a esquerda a turma 2°C que actualmente é uma sala de convívio para estudantes.

Olhando em volta, ainda lá está à esquerda na parede, o armário que contém a sineta para chamar para as aulas os alunos e professores, a qual tocava o contínuo, Sr. Tavares. Belos tempos, quando juntávamos uns centavos para lhe dar, para que fosse tomar um meio de vinho ao Avião e se descuidasse da terceira badalada.

Subi a escadaria com os degraus de pedra mais gastos pelos subir e descer de milhares estudantes. Ao cimo da escada fui dar com a sala de professores, que ainda que tivesse a porta aberta, metia o mesmo respeito que nos meus anos de aluno. Atrevi-me a entrar e dirigi-me a um professor que era mais novo do que os anos que passaram desde que entrei naquela sala, que trabalhava com o seu HP Mini. Não pude espreitar para ver se estava a fazer algum trabalho ou no Facebook.

“Já lá vão cinquenta e quatro anos desde que entrei nesta sala” disse eu. Ele olhou para mim com um ar perplexo, e convidou-me a sentar. Trocámos impressões, fiz referencia ao meu reitor, Dr. João Anglin, em cuja sala tinha apanhado uma sarabanda dele, depois de ter passado a aula de moral do Senhor Padre Rebelo debaixo da secretária ao lado dos seus pés, sem que ele desse por isso. Bela partida me pareceu na altura. Ao chegar a casa do meus avós, apanhei outra sarabanda do meu avô, José Inácio Alves, que era amigo íntimo do Padre Rebelo, e que lhe contara a minha peripécia.

Uma professora que lá se encontrava, convidou-me a ver a biblioteca e salas adjacentes que tinham sido recentemente renovadas, incluindo as belas pinturas das paredes e tetos. Desci e continuei a reviver, passando ao jardim. Olhando para o Ginásio, relembrei as aulas de educação física e os bailes de Natal com o grupo de Teófílo Frazão.

No meu tempo, ainda existia o “rinque” de patinagem onde passava muitas das minhas tardes depois das aulas, com alguns amigos, o Fernando Anselmo, José Manuel Garcia, Jorge Àspera Moniz e Deodato Magalhães. Golos e caneladas eram a ordem do dia. Por outro lado era uma boa maneira para atrair a atenção das meninas que estavam no balcão no outro lado do jardim.

Continuei pelo jardim e entrei no pátio do então segundo ciclo. Outrora área proibida para os do primeiro ciclo com excepção do acesso ao refeitório. Ainda entrei no refeitório e parece que os cheiros de então ainda perduravam. Depois de todos esses anos, ainda podia saborear uma maionese de batata com ervilha e cenoura que serviam num papo-seco.

Não pude deixar como despercebido um Multibanco presente no corredor. No meu tempo, contavam-se as serrilhas, hoje, as máquinas dispensam euros para as novas necessidades.

Mais umas fotografias, uns últimos momentos de reflexão. Uma entrada ao corredor que nos levava entre os dois ciclos e pronto, estávamos na secretaria e porta de saída.

De volta na rua, hoje cheia de carros, a visita resumiu-se a uma hora de relembrar o que à cinquenta e quatro anos se tinha vivido e que continua firmemente na mente.

José Maurício Lomelino Alves
Vista, Califórnia


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